De férias em Hamburgo: Selfies, distúrbios e a tirania das imagens

via VOZCOMOARMA

tradução TDF

nota: a tradução deste texto fundamental, embora tardia, compõe parte da nova edição de “BEM-VINDO AO INFERNO: TEXTOS SOBRE A INSURREIÇÃO CONTRA A CÚPULA DO G20”. Esta publicação completará um ano em breve. Para marcar essa data, às vésperas de mais uma cúpula, dessa vez no território dominado pelo estado argentino, haverá um lançamento dessa zine agora no formato de livro. A reedição contará com novos textos em português que serão aos poucos acrescentados no site.

Há um mês atrás, em Hamburgo, na Alemanha, a cúpula do G20 começava e, com ela, protestos massivos contra a mesma, que reivindicavam desde um capitalismo “mais humanitário” até a destruição completa deste sistema para construir um outro mundo mais ético, onde todxs nós tenhamos espaço e sejamos respeitadxs, onde não haja lugar para opressão ou hierarquia, onde se cuide da terra e se faça desaparecer dos nossos valores e metas de vida a sede inssaciável de ganhos materiais vazios na qual a sociedade está embasada.

O que sucedeu durante os 3 dias em que a cúpula e as mobilizações duraram pode ser lido em muitos sites, incluso neste mesmo blog se você se buscar as postagens correspondentes (do início de julho passado, para quem tiver curiosidade), e, dado que eu, por várias razões que não vẽm ao caso, não pude viajar para Hamburgo (e não me faltou coragem), não vou comentar sobre o que aconteceu e nem vou me concentrar nos detalhes. Sobre isso, xs kompas que estiveram por lá já falaram e seguem falando.

O que eu gostaria de falar, sim, é um aspecto particular daquelas mobilizações, que acho que ocorre com demasiada frequência neste tipo de contexto e que, pelo menos a mim, me parece um problema sério, além de algo que me irrita. É o que conhecido como “tirania da imagem”.

Em uma sociedade como a de atualmente, o espetáculo reveste tudo. Nossas vidas se convertem num fluxo compulsivo de imagens, estereótipos e mercados de identidades, para alimentar com os quais um perfil, uma projeção de nós mesmxs muitas vezes adulterada, fictícia, mas com a qual, de algum modo, nos livramos das nossas carências e dos aspectos da nossa vida real que não gostamos ou não nos sentimos satisfeitos (ao invés de tentar mudá-los, nós os escondemos com imagens), de forma semelhante ao que acontece na maioria das redes sociais. Não importa quem você é, mas quem você parece ser. As demais pessoas têm que ver numa tela uma foto que confirme tudo, se não aparecer na TV ou na Internet, não existe. Para isso, da mesma forma que os novos ricos liberais e modernos tiram fotos de seus luxos e os compartilham na Internet para que todo mundo conheça seu estilo de vida exclusivo e admire seu “sucesso”, dentro de ambientes revolucionários, anti-capitalistas, anti-autoritários… essa mesma ditadura de aparência é produzida em bases quase idênticas. No meio dos distúrbios, muitas pessoas querem sua lembrança, sua foto de recordação, como alguém que paga alguns euros a mais para a empresa de um parque de diversões tirar uma foto dessa pessoa durante sua viagem na montanha-russa mais alta e mais veloz. As imagens circulam de forma frenética nas redes sociais, nos blogs, nas grandes plataformas de vídeo e foto, para o deleite da polícia e dos serviços de informação, que, se não prenderem ninguém, então só terão que mergulhar um pouco na internet para encontrar um suculento material fotográfico para seus fichamentos, enquanto que, se caso eles infelizmente prendam alguém, [as autoridades] terão apenas que revistar o celular dessa pessoa (algo que estes agentes normalmente fazem quando você está trancado em uma cela e seu telefone e documentação estão na posse deles) para encontrar as evidências que confirmem a presença dessas pessoas nas manifestações onde ninguém, a não ser elas mesmas e xs compas, precisa saber que foram, provas que logo podem ser usados em um julgamento. Por outro lado, os meios de comunicação da imprensa comercial também tiram seu proveito de ativistas que colocaram numa bandeja as fotos perfeitas para as reportagens sensacionalistas.

Não entendo a necessidade, nem a finalidade de fotografias como essas:

O que essas pessoas querem? Guardar uma recordação para contar aos seus netos? Não quero negar a importância de documentar este tipo de evento em nível fotográfico e audiovisual, já que muitas vezes, se não fossem as pessoas aficionadas pelos registros deste tipo que coletam e registram tudo isso, seja como parte de grupos de mídia alternativa relacionada aos movimentos sociais ou por conta própria, não estaríamos inteirados de muitas das coisas que acontecem. Porém, é importante manter uma cultura de segurança e, sobretudo, levar em conta que, ao fotografar assim, não só estamos expondo a nós mesmos como também a outras pessoas em nosso meio ou a outrxs companheirxs que nestes momentos podem estar agindo, e que talvez não queiram participar de seu fetichismo irresponsável.

É importante refletir sobre isso e não cair em uma posição ambígua ou passiva de “cada qual faz o que queira”. Há companheirxs levando a sério seu anonimato, sendo perseguidxs e vigiadxs, enquanto outrxs brincam de revolução entre flashes e “selfies”.

Tudo é heroísmo e publicidade, estética, top-models da revolta, até a polícia te fichar e então será quando você desejará com toda sua força não ter publicado aquela maldita fotografia…

Por uma cultura de segurança e responsabilidade.
Contra o fetichismo da imagem e do rosto-coberto.

 

 

 

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