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ANTI-REPORTAGEM: Relato sobre a rebelião no presídio de Lucélia (São Paulo, Bra$il)

Nota: O texto a seguir é fruto de muitos esforços. Tudo aqui registrado é considerado muito comum para as pessoas que acompanham a situação das cadeias. Isso não significa que não seja necessário fazer ecoar os gritos ouvidos desde Lucélia. Um salve às pessoas indomitas envolvidas na caminhada constante pela contramão do sistema. À construir e fortalecer tais iniciativas desde uma visão anti autoritária! Difundir a rebelião!

No dia 26 de Abril deste ano, aconteceu mais uma rebelião em São Paulo, algo muito recorrente neste território controlado pelo estado brasileiro. Dessa vez no presídio de Lucélia, onde os presos reivindicavam melhores condições no tratamento. Para revidar às condições de vida atrás das grades, os presos se insurgiram pela sua dignidade, que o estado condena e aniquila.

No dia 5 de maio, montou-se um acampamento à beira da rodovia em frente a prisão, composto em sua maioria por mulheres. Nesse local, muitos veículos passam em alta velocidade. A unidade prisional, que tem quatro raios, está destruída e ainda mais inabitável. Este fato deixa claro o longo alcance da sociedade carcerária. Na maioria das vezes, para cada pessoa sequestrada pelo estado, há muitas outras sendo igualmente acorrentadas pela existência das prisões.

Antes da rebelião, a cadeia contava com quatro conjuntos de celas. Exceto os que foram transferidos pra outras 12 unidades prisionais, ainda restaram presos em algumas delas. Depois do levante, o número de conjuntos diminuiu pela metade1 – gerando superlotação. Nenhum preso mais seria transferido. Alguns foram transferidos sem aviso às famílias, que reivindicavam uma lista com os nomes dos presos que permaneceram no local.

Contudo, a página da SAP (Sistema de Administração Penitenciária) registrou, no dia 3 de agosto de 2018, que havia apenas 117 presos em Lucélia, todos na “progressão penitenciária” (ala reservada a pessoas que estão próximas de cumprir pena ou ainda destinada a pessoas com “bom comportamento”).

As transferências foram efetivadas em “bondes” superlotados. Antes de partir, os veículos ficaram mais de uma hora no sol com os presos dentro, sendo possível ouvir os homens implorando por água. Nas demais unidades, os presos transferidos de Lucélia foram alocados nas partes mais precárias.

Os familiares foram impedidos de realizar visitas. Segundo as mulheres presentes no acampamento, as restrições às visitas foram impostas pelo fato de todos os presos estarem machucados após a rebelião. Vale ressaltar que a repressão antes, durante e depois da rebelião foi orquestrada pela diretoria da unidade prisional de Lucélia.

Desde os primeiros dias após a rebelião, as mulheres sofreram repressão policial contra seu acampamento. Elas afirmam que queriam expulsa-las de lá. Os olhares, risadas, e fotos por partes dos agentes penitenciários em relação a elas eram constantes.

As mulheres apontam que em frente a unidade foi possível escutar tiros, bombas, latidos de cachorro, assim como pedidos de socorro dos presos, desde o dia 26 de abril2.

Mesmo em momentos de silêncio, quando tudo parecia “mais calmo”, de repente se ouvia barulhos de tiros e bombas, seguidos de gritos de socorro por parte dos presos. Estes ruídos eram tão altos que foram ouvidos por elas do lado de fora.

Elas disseram que a repressão ficaria ainda pior caso saíssem de lá. Ao ouvir a repressão na parte de dentro, elas começavam a protestar na parte de fora.

As mulheres acompanharam a entrada da alimentação na unidade. O carro que entrava era de pequeno porte, ou seja, transportava insuficiente comida para alimentação de todos. Os horários de entrada da alimentação eram desregulados3.

Houve dias em que o veículo não entrou no presídio e dias em que, à meia noite, os presos ainda não tinham jantado.

Os presos permanecem só de cueca desde a rebelião. A diretoria da unidade informou ter entregue os recursos (roupas, materiais de higiene, cobertas e colchões). No entanto, a quantidade de insumos era insuficiente, dado os efeitos destrutivos da rebelião contra a estrutura da unidade.

As correspondências enviadas retornavam a quem enviou. Nem advogados, nem familiares estavam autorizados a realizar visitas. A diretoria é responsável. Os 900 presos remanescentes após a rebelião e as transferências tiveram 10 minutos de água por dia enquanto permaneceram no local. Uma mulher teve um aborto no dia da rebelião. No acampamento, havia duas mulheres grávidas de oito meses. As despesas custam por volta de 700 reais para que cada uma dessas mulheres compareçam ao presídio durante os finais de semana, desde o deslocamento para a região do presídio até os gastos com insumos.

As eleições estão aí. Novos representantes irão se erguer. São pessoas responsáveis por manter a civilização funcionando. Independente de quem seja eleito, as cadeias continuarão a existir. Por isso, é necessário avançar para a ofensiva permanente contra as estruturas de poder já que elas não vão cessar. A democracia é apenas a continuidade da dominação, das ditaduras, dos extermínios, das colonizações. Resta somente a ruptura violenta contra as autoridades e a realidade imposta.

NÃO À PASSIVIDADE!!!

PELA LIBERDADE TOTAL!!!

PELA DESTRUIÇÃO DAS CADEIAS!!!

1 A penitenciária de Lucélia possuia capacidade para abrigar 1.440 pessoas, mas até a rebelião tinha, segundo registros oficiais, naturalmente dubitáveis, um total de 1.820 presos.

2 O GIR (Grupo de Intervenções Rápidas), divisão policial responsável pela contenção de rebeliões nas cadeias, está permanentemente no local, desde o início da rebelião, agindo violentamente.

3 Essa situação é recorrente. Alguns presídios em São Paulo estão sendo apelidados pelos presos como “etiópia” devido à cada vez mais constante falta de alimentação. Inclusive, desviar dinheiro destinado para alimentação nas cadeias é uma forma comum de corrupção no sistema prisional. Por exemplo, quando a receita destinada a este fim é superfaturada. Cadeia é um negócio lucrativo. A maioria delas conta com serviços tercerizados, prestados por empresas amigáveis aos diretores das cadeias.

[$antiago, Chile] Resumo da atividade “Solidariedade à flor da Pele”

via CONTRAINFO

tradução TORMENTASDEFOGO

VII Convenção de tatuagens e arte corporal SOLIDARIEDADE À FLOR DA PELE

Sob um belo céu nublado, nos reunimos para dar vida à VII Convenção de Tatuagens e arte corporal Solidariedade à Flor da Pele, buscando contribuir economicamente com nossos camaradas na prisão, bem como abrir um ponto de encontro anti-carcerário.

Desde o início, recebemos rondas policiais, hostilizando tatuadorxs, compas e até vizinhxs, mas sem conseguir impedir o desenvolvimento da atividade. Com a habilidade e a vontade das mãos solidárias, fomos nos esquivando dos diferentes obstáculos que se geraram no início, demonstrando assim que sempre se pode, quando a convicção anárquica nos guia.

Agradecemos a presença e compromisso de cada tatuadorx, dxs companheirxs responsáveis pelas suspensões, piercing e quem nos acompanhou com danças, pinturas e oficinas, que com a melhor disposição contribuirm para o desenvolvimento e difusão da atividade. A quem não pode chegar junto, esperamos contar com vocês para a próxima convenção…

As palavras de alguns de nossxs companheirxs na prisão foram lidas, assim, vazando idéias/sentimentos para longe dos corredores da prisão, ajudando a diluir dentro/fora. Durante o dia foi informado e atualizado sobre os diferentes processos de repressão e combate na Wallmapu, procurando alimentar as diferentes vontades em conflito.

Flor de Piel é marcada pela presença daqueles que, apesar de não estar mais fisicamente conosco, vivem na memória dos corações negros, então Barry Horne, Sebastián Oversluij, Mauricio Morales nos acompanhou o tempo todo. Os caminhos da luta sempre se cruzam, mas há circunstâncias em que não podem se encontrar … este dia é dedicado à memória de Santiago Maldonado.

Porque uma jaula é sempre uma jaula…
Até destruir o último bastião da sociedade carcerária.

Solidariedade à Flor da Pele.
Solidarixs afines pela Anarquia/Coletivo Sacco e Vanzetti.

***

PALAVRAS DE COMPANHEIRXS ENCARCERADXS

JOAQUÍN GARCÍA*

Acabei de aprender sobre esta iniciativa de solidariedade. Agradeço muito todas as expressões de carinho que me acompanham neste momento. Cada gesto, cada palavra tem significados muito maiores no confinamento da prisão, romper com a rotina aqui se torna o mais importante. Espero que tudo seja realizado do modo mais agradável possível e que a solidariedade seja vivida à flor da pele.

Eu envio muitos abraços, saudações e carinho.

Joaquín García
Seção de Segurança Máxima/Presídio de segurança máxima.
4 de novembro de 2017.

*Companheiro preso em 19 de novembro de 2015 e responsabilizado pelo ataque explosivo contra a 12a estação de polícia de San Miguel, em uma mudança de medida preventiva assume a clandestinidade e é preso em setembro de 2016 com um revólver e munição. Ele está atualmente em prisão preventiva.

ENRIQUE GUZMÁN, NATALY CASANOVA Y JUAN FLORES*

Essas palavras nascem e voam desde as célas da prisão de San Miguel, a unidade especial de alta segurança e a antiga penitenciária, para cumprimentar essa instância cúmplice dedicada a nós pelxs compas que organizam e dão vida à Convenção de Tatuagens e Arte Corporal Solidaridade à Flor da Pele…

Nessas palavras nascentes dentro desses centros de tortura, gostaríamos de cumprimentar de forma fraterna e cúmplice aquelxs que, no ponto de criatividade rebelde e subordinada, organizam e participam dessa iniciativa anti-carcerária,.. Iniciativa de solidariedade com aquelxs que sentem o sabor amargo da prisão cotidianamente, raiva, a impotência e a indignação de não poderem materializar a guerra porque estão cercados por barras, câmeras e guardas…

Nesse sentido, compartilhamos a mesma raiva, impotência e indignação, contra os bastardos que compõem e perpetuam essa sociedade, que aprisiona nossas vidas e a de nossos irmãos… é por isso que nosso respeito e carinho a essas mentes conscientes que não dão espaço à imobilidade e a indiferença…

Há aproximadamente 7 meses e meio atrás, nos encontramos à mercê da polícia da prisão, exames e transferências para os tribunais do estado chileno, que julgam nossa necessidade de enfrentar ao Domínio, o julgamento que discute nosso suposto envolvimento em bombas detonadas contra a estação de metro “Los Dominicos”, contra a 39 e a primeira delegacia de polícia em Santiago e contra o subcentro da escola militar (fatos reivindicados pelxs compas da conspiração das células de fogo e a conspiração internacional de vingança) está em fase final, após o arsenal legal / fiscal e a entrada de mais de 150 testemunhos, 80 peritos, 230 documentos e 640 provas de especialistas, esta segunda-feira irá discutir os dias de folga (que não podem ser mais do que 4) para preparar os argumentos de encerramento do caso.

Com um cúmplice de sinal com xs compas nas prisões de Korydallos (Grécia), com xs de Ferrara (Itália) e para a imensidão de irmãos presxs e caidxs nesta guerra, nos despedimos com o gostoso sabor do carinho solidário que você nos mostra uma vez mais!!!

Nataly Casanova (Cárcere de San Miguel)
Enrique Guzmán (Segurança Máxima/Presídio de Segurança Máxima)
Juan Flores (Antiga Penitenciaria)

MARCELO VILLARROEL*

Abraçando a todos e alguns dos gestos e atos de solidariedade com xs prisioneirxs da guerra social.

Da prisão da Alta Segurança de Santiago, uma vez mais, escapam essas letras carregadas de fraternidade insurrecta para cumprimentar e abraçar cada umx dxs companheirxs que possibilitam que esta iniciativa seja realizada em sua 7ª versão, mantendo-a viva por vários anos, com a finalidade concreta da solidariedade com quem vive na prisão como resultado irrevogável de uma luta subversiva contra o Estado, o Capital e toda autoridade.

Resgato a vontade e a insistência de gerar redes de cumplicidade que permitem quebrar no cotidiano as paredes e as jaulas que nos cercam.

Nos tempos em que os valores que têm motivado o nosso acionar de combate direto são relativizados por quem nunca arriscou nada, é altamente resgatável promover a sensação de comunidade que nos envolve, independentemente do lugar onde estamos, porque está enraizado no desejo e na vontade incontida de ser livre, muito além das dificuldades próprias de um caminho onde muitxs irmãos perderam suas vidas enquanto outrxs resistem atrás das barras.

Portanto, cada grão de areia que aponta para fortalecer a ruptura com o separatismo e a indiferença expandindo as práticas solidárias é um ataque direto à imobilidade e passividade com que o poder e seus múltiplos dispositivos de controle vão semeando fragmentação, amnésia e medo com os quais temos de conviver cotidianamente como práticas normalizadas no mundo cidadão que tanto odiamos.

Os tempos são e continuarão a ser de luta direta contra o Estado através da revolta permanente e há de ser claro: continuará havendo feridxs, perseguidxs, prisioneirxs e mortxs de pensamento e ação anti-autoritárias e não podemos imaginar transformações radicais sem a dor da perda, porque não há guerra asséptica já que o poder da dominação capitalista não perdoa nem esquece quem se rebela.

Por estes dias se cumpre 10 anos desde que assumimos a clandestinidade como uma negação da legalidade juridica-policial do Estado. Há 10 anos, começou uma caça à 4 companheirxs em que fomos acusadxs de participar numa série de expropriações bancárias e na morte de um policial uniformizado após o assalto ao Banco Security, fato ocorrido no centro de Santiago, em outubro de 2007.

O Estado com seus sicários guardiões desencadeou uma caça sem precedentes, bem como uma ofensiva sistemática em relação a vários espaços anticomunistas autônomos da época que expressavam uma posição de confrontação insurrecta.

A 10 anos do começo daquela caça, orgulhosamente pode dizer que não há arrependimento, nem esquecimento, nem abando, nem resignação do caminhar subversivo. Desde uma posição em tensão contínua, nada está acabado.

Tudo continua!!!

Encorajando o encontro de quem está trilhando o caminho da guerra social, quem alimenta a memória de combate de todxs que nῶao perdem o compasso do conflito…

Abraçando todos xs presxs dignxs e seus irmãos que se expressam no ataque direto aos símbolos do Poder.

ABAIXO AS JAULAS!!!
ATÉ DESTRUIR O ÚLTIMO BASTIÃO DA SOCIEDADE CARCERÁRIA!!!
CAMINHANDO ORGULHOSXS PELO CAMINHO DA GUERRA SOCIAL, AVANÇAMOS JUNTXS PARA A LIBERTAÇÃO!!!
ENQUANTO EXISTIR MISÉRIA, HAVERÁ REBELIÃO!!!

Marcelo Villarroel Sepúlveda
Prisioneiro Libertário.
Presídio de Segurança Máxima/Santiago, Chile.
Sábado, 4 de novembro de 2017.